sexta-feira, novembro 02, 2012

O CEMITÉRIO E A MORTE ( 02/11/2012)




                     
Acordo de repente em uma noite um pouco abafada, levanto do sofá e entro no banheiro para tomar uma revitalizante ducha. Saio e me visto com uma velha calça jeans, uma camisa meio desbotada e minhas surradas sandálias de dedo. Caminho até a varanda de casa e fico por uns instantes apreciando as cigarras cantando felizes como em um coral, os sapos que coaxam à vontade no brejo pertinho daqui. Umas duas corujas permanecem no toco da cerca com seus olhos sombrios. Vejo também lampejos de pássaros um pouco acima do telhado. Aqui consigo observar os pequenos detalhes, sentir aquela paz de espírito impossível nas grandes cidades.

Pretendo fugir um pouco das notícias catastróficas do dia a dia e dos aborrecimentos no trânsito. Antes de sair tiro o resto do almoço da geladeira e esquento-o para poder jantar mais tarde no serviço. Pego a camisa e a calça de trabalho na gaveta do armário e a minha botina, ponho em minha bolsa juntamente com a comida. Apago todas as luzes. Fecho bem a porta da sala. Vou até a garagem e pego a minha moto.

No caminho, aproveito e tomo uma cerveja para relaxar em um pequeno bar, pois hoje trabalharei de segurança em um imenso cemitério, folgando um colega. Sigo o meu rumo com muita ansiedade, pois sempre tive muito medo só de passar em frente a cemitérios, o que dizer trabalhar dentro de um. Estou muito próximo e já percebo alguns casebres no alto dos morros e nas laterais da sinuosa pista. Aproveito para me informar com exatidão a respeito do local, e um senhor de bengala e ótima feição, fala em tom firme e suave que estou a seiscentos metros do destino. Agradeço e parto satisfeito pelos poucos metros que me resta.

Magnífica e imponente essa cidade de túmulos e catacumbas! Jamais vira algo semelhante em toda a minha vida. É realmente gigantesco esse recanto dos mortos, uns dois campos de futebol de largura, com um portão de um dourado estonteante, cheio de detalhes em toda a sua extensão. Confesso que um friozinho na espinha já começa a surgir, mas como não acredito nessas idiotices de fantasmas, demônios e espíritos, consigo lidar muito bem com os meus medos antigos, e de certa forma até normais com esse cenário de espanto: Um silêncio perturbador em uma noite de lua cheia, defronte a essa fria necrópole.

Pego as chaves guardadas na parte central de minha bolsa, e apressadamente abro o portão, (Pois tenho que estar uniformizado e na ativa às dez horas, e faltam apenas quinze minutos para tal) e vou entrando com um pouco de inquietude e desassossego em meu corpo e principalmente nas pernas. Dou uma vasta olhada e posso observar a cabine onde vou passar a maior parte de meu tempo, e também um pequeno toalete e um simples quartinho anexado. Ponho a minha bolsa em cima da mesinha e vou tirando todo o meu uniforme e também a minha janta. Me visto rapidamente, calço a minha velha botina e municio a minha arma, colocando-a presa à minha perna, em uma costura feita especialmente para esse propósito. Nesse ambiente não haveria necessidade de trabalhar com ela à mostra.

Em todas as noites terei que fazer também algumas rondas por todo o território, e infelizmente terei que por duas ou três vezes me ausentar dessa cabine tão confortável. Distraio-me com um bom filme de suspense que passa na televisão. Olho em meu celular e vejo que já são uma e meia da madrugada, e decido fazer a minha primeira ronda. Saio e sigo andando um pouco tenso por entre as monumentais e assustadoras catacumbas, com dizeres grifados em pura prata e ouro, e cruzes lapidadas em puro bronze. Estou caminhando por uns dez minutos e já posso sentir o meu corpo mais relaxado e adaptado a esse lugar. O que mata é esse silêncio quase infernal que contrasta com a minha ofegante respiração.

A quase uma hora e meia de ronda sinto as minhas pernas cansadas, e por isso tomo a decisão de parar por uns minutos. Ao sentar-me por míseros segundos, ouço um estrondoso barulho que despedaça em infinitas partes o tão odiado silêncio. Mas eu juro a vocês que preferia mil vezes o mutismo! Levanto de imediato e esquecendo a canseira nas pernas, sigo meio que desorientado e transpirando medo. Já com a arma em punho, caminho acelerado em direção ao ponto onde provavelmente deu-se o barulho. Será que alguns baderneiros resolveram aprontar logo no meu primeiro dia de trabalho? Ou são ladrões oportunistas em busca dos metais preciosos de fácil acesso? Não sei responder por enquanto, para tais perguntas terei que vasculhar cada canto dessa imensidão de mortiços, e por isso apenas sigo.

O barulho não se repetiu, mas agora sinto calafrios por todo o corpo, por conta das incontáveis vozes vindas de todas as direções! Mas não consigo enxergar absolutamente ninguém, e elas continuam martelando incansáveis em minha mente. As gargalhadas agora se juntam, tornando o cenário enlouquecedor e horrendo! Sei que não estou tendo nenhum pesadelo, mais por Zeus! Vejo corujas gritando raivosas em cima dos sepulcros. Gatos negros com olhos medonhos uivando assustadoramente em minha direção. Cães monstruosos salivando sangue por todo o chão... O desespero apodera-se de minha alma perturbada, e chorando copiosamente eu corro aos trancos no meio dos túmulos...

Vultos desfigurados passeiam sobre a minha cabeça e chegam a colar em meus ouvidos, sussurrando baixinho:
-Abandone essa vida medíocre! Você não possui amigos! Não possui perspectiva! Junte-se a nós seu covarde!
-Não! Deixem-me em paz! Sumam daqui aberrações do inferno! Deixe-me em... Dezenas de mãos pútridas me agarram como se fossem grandes e fortes ventosas, e tentam me arrastar para de baixo da terra, e eu com todas as minhas forças luto ferozmente e chego a cravar as unhas em uma das mãos, mas ela se decompõe em frações de segundos e não me resta mais nada... Mas de repente, quando já havia perdido a esperança, vão se desgrudando lentamente de meu pálido corpo, e retornam ao pequeno buraco que fora feito.
Aquelas amaldiçoadas mãos fizeram um grande estrago em minhas pernas, e arrastando-me pelo chão frio ainda ouço aterradoras vozes e risadas sombrias por todos os lados. Ainda observo os gatos e corujas com os seus olhares impiedosos. Os cães transbordando ódio em suas horríveis faces, e os vultos sobre mim em sussurros infinitos.

Súbito vejo uma neblina se formando à minha frente, camuflando as aberrações e calando suas risadas, gritos e balbúrdias. Depois de uns dois minutos se desfaz e extingue todas as criaturas. Aos arrastos vou ganhando alguns metros, quando de repente os meus olhos contemplam uma linda mulher sentada à catacumba e sorrindo maravilhosamente para mim. Nessa hora, como por mágica se finda todas as minhas dores e temores, e as minhas pernas novamente fortes se levantam e seguem mais firmes e tranquilas. Seus olhos parecem hipnotizar-me e vou decidido em sua direção. Ela estende tuas delicadas e branquíssimas mãos ao meu encontro, sempre com um sorriso encantador e um olhar penetrante. Mas ao tocá-la, sinto como se a minha alma estivesse sendo tragada e arrancada do meu corpo, e o teu semblante já não é mais o mesmo. Seus olhos tornaram-se negros, seu sorriso putrificado e sua pele com uma aparência milenar!

Ainda tento desvencilhar-me dessa coisa monstruosa, mas sem êxito algum. As minhas energias estão sendo absorvidas rapidamente, e estou sendo abraçado e consumido por algo que desconheço! Estou praticamente por completo dentro dessa terrível catacumba, e com a voz fraquíssima eu faço questão de saber o seu maldito nome:
-Mas quem é você afinal?
-Sou aquele que é adorado e temido por centenas de anos em todas as religiões! O falso amor impregnado nos corações iludidos de todos os religiosos! Trevas e claridade! Amor sem medidas e ódio descomunal! Sou o mal camuflado na sagrada túnica! Sou seu Deus!
Antes de descer à escuridão, ainda consigo observar um cantinho do céu e uma fração da imensa lua cheia, espectadora exclusiva da minha partida.                           
http://alexmenegueli.blogspot.com.br/

Um comentário:

Aline disse...

Que intrigante e mórbido seu texto... Mas muito bom!!!